Entrevista com o Doutor Raymond Brou, Assessor Técnico do Ministro da Saúde e Higiene Pública da Costa do Marfim

29 de agosto de 2023

Entrevista com o Doutor Raymond Brou, Assessor Técnico do Ministro da Saúde e Higiene Pública da Costa do Marfim

A resposta da Costa do Marfim à pandemia da COVID-19 tornou-a num modelo para outros países de rendimento médio. De acordo com Gavi, a Aliança das Vacinas, “Perante uma emergência histórica, a Costa do Marfim priorizou a imunização a todos os níveis – garantindo que os programas de rotina permanecessem no bom caminho, juntamente com os esforços de vacinação contra a COVID-19. Ao defender campanhas integradas que conseguiram chegar às pessoas com múltiplas vacinas que salvam vidas de uma só vez, o país deu o exemplo de que a estabilidade e a recuperação são objectivos alcançáveis.”

O Doutor Raymond Brou desempenhou um papel fundamental nesta resposta como Conselheiro Técnico do Ministro da Saúde da Costa do Marfim. Em 2018, recebeu apoio do grupo liderado pelo MSH Projeto de Liderança, Gestão e Governança (LMG), que visava reforçar os sistemas de saúde para prestar serviços mais reativos, através do desenvolvimento de líderes inspiradores, do estabelecimento de sistemas de gestão fortes e da promoção de práticas de governação eficazes. Conversamos recentemente com o Dr. Brou sobre como ele usou alguns desses princípios de liderança na abordagem de seu país à crise da COVID-19.

Como utilizou a formação LMG que recebeu da MSH para responder à pandemia da COVID-19?

Quando eu era Diretor do Departamento de Saúde em Sakassou, na região de Gbeke, em Bouaké, passei por este programa de formação. Aprendi que não é possível atender às necessidades da população sem tê-la à mesa para discussão. Sempre que o nível central, regional ou departamental faz planos para gerir a saúde pública da população X, esta população X deve ser informada. Precisamos ser transparentes com eles.

Carreguei esse princípio comigo quando me tornei assessor do Ministro da Saúde. Tenho reuniões regulares com diretores de departamento e incentivo-os a falar livremente. Nada é tabu e ninguém fica de fora.

Por exemplo, planeámos recentemente intensificar a campanha contra a COVID-19 durante um período de 10 dias. Inicialmente, planeámos atingir 21 distritos com uma taxa de cobertura inferior a 30%. Um dos directores sugeriu que, em vez de nos concentrarmos apenas nestes distritos, deveríamos trabalhar com todos os distritos com menos de 50% de cobertura para atingir mais pessoas e vacinar mais pessoas. Nós concordamos imediatamente.

O treinamento LMG me incentivou a trabalhar com autoridades governamentais locais, organizações não governamentais [ONGs] e grupos religiosos. As atividades de saúde pública não se destinam apenas a um pequeno grupo que trabalha em hospitais. Precisam de estar abertos a todos, incluindo jornalistas, ONG, grupos de mulheres e outros, para que todos possam dar a sua opinião. Para as actividades de vacinação nos mercados, os sindicatos dos comerciantes disseram-nos: “Não temos tempo para nos vacinarmos. O ministro precisa encontrar uma forma de sermos vacinados.” Ouvimos o que eles diziam e foi assim que lançámos uma iniciativa para utilizar veículos médicos móveis para chegar até eles, em vez de lhes pedir que viessem até nós. Esses veículos já são conhecidos e apelidados de “caminhões COVID” pela população.

A vacinação contra a COVID não deve ser uma atividade administrativa com protocolos onerosos. Deve estar perto das pessoas.

Doutor Raymond Brou, Assessor Técnico do Ministro da Saúde, Costa do Marfim
Quais foram os principais desafios que a Costa do Marfim enfrentou durante a sua campanha de vacinação contra a COVID-19?

Foram muitos, desde os desafios logísticos de como fazer chegar as vacinas ao país, uma vez que não as produzimos, até como distribuí-las mantendo-as frias. Também precisávamos educar os nossos profissionais de saúde sobre como a COVID está ligada a outros problemas de saúde e ajudá-los a compreender a gravidade da COVID como uma doença respiratória. Além disso, enfrentámos o desafio de pagar aos nossos profissionais de saúde pelos seus esforços contínuos no terreno na administração de vacinas. Além disso, tivemos de encontrar formas de comunicar com o público e de sensibilizar para a importância das vacinas.

Como o treinamento LMG o ajudou a enfrentar esses desafios?

Estivemos em contacto com o African Vaccine Acquisition Trust e com embaixadas de outros países que poderiam doar vacinas à Costa do Marfim. Oitenta por cento dos 25 milhões de doses de vacina que recebemos vieram dos nossos aliados na Europa, dos Estados Unidos e da Índia, bem como dos nossos países vizinhos, que nos deram doses não utilizadas que, de outra forma, teriam expirado. Utilizámos cadeias de frio que já existem para outras vacinas (como o sarampo e a poliomielite) e transportámos as vacinas contra a COVID para armazéns de armazenamento regionais assim que saíram de Abidjan. Transportámos as vacinas utilizando camionetas de cada distrito para ir o mais longe possível e, finalmente, motociclos para levá-las às aldeias mais remotas.

Um exemplo de como incorporei o princípio de tornar as medidas de saúde pública acessíveis foi usar música popular e estilos de dança para transmitir a mensagem. Os grupos de jovens ajudaram traduzindo as mensagens do francês para as línguas locais e actuando à noite em restaurantes para sensibilizar e motivar as pessoas a serem vacinadas. Em San-Pédro vacinamos 100,000 mil pessoas em apenas uma semana graças a uma turnê musical.

A vacinação contra a COVID não deve ser uma atividade administrativa com protocolos onerosos. Deve estar perto das pessoas. O distrito de Abobo é agora o bairro mais vacinado de Abidjan, mas como conseguimos isso? A população nos pediu para manter os caminhões COVID nas estradas mais movimentadas para que, quando voltarem do trabalho, possam fazer fila para serem vacinados.

Além disso, os negociantes de sucata em Abobo organizaram-se para pedir às autoridades que lhes enviassem vacinas porque compreenderam que a COVID estava a dificultar o comércio na sua área. Graças a estas iniciativas, 70% das pessoas estão agora vacinadas em Abobo, embora seja uma das comunidades mais populosas e vulneráveis.

Que lições você aprendeu com essa experiência?

Uma coisa que vi é a importância da solidariedade entre diferentes países e classes sociais no enfrentamento da pandemia. A Costa do Marfim não produz vacinas, mas vimos o apoio de aliados que as doaram. Quando a USAID nos dá um milhão de doses de vacina, esses milhões de doses salvam vidas porque temos a capacidade de utilizar os milhões de doses que eles nos dão.

Outra lição: precisamos conceder autorização em nível de força-tarefa para descentralizar a vacinação. O foco da pandemia pode estar em Abidjan, mas Abidjan não está isolada do resto do país. Vacinamos Abidjan e o resto do país ao mesmo tempo.

Uma terceira lição é trabalhar com outros setores. Os nossos esforços beneficiaram do trabalho com o sector do ensino técnico e o Ministério da Juventude para chegar aos jovens. Como a COVID não era tão conhecida como doenças como a tuberculose ou o VIH, a sensibilização era muito importante. Dessa forma, as pessoas não são obrigadas a cumprir orientações que não compreendem.

Como podemos manter e institucionalizar as lições aprendidas?

Aumentámos o número de profissionais, bem como o número de agentes comunitários de saúde, e estamos a trabalhar para criar mais escolas para formar ainda mais profissionais de saúde. Também integramos a vacinação contra a COVID nas atividades rotineiras de imunização para crianças menores de 6 anos, crianças em idade escolar, mulheres grávidas e pessoas com comorbidades. A vacinação contra a COVID não deve ser independente de outras atividades.

A comunicação de factos precisos continuará a ser importante e os meios de comunicação social (tanto nacionais como internacionais) podem desempenhar um papel fundamental ajudando-nos a aumentar a sensibilização para a importância da vacinação e a combater a desinformação. Mas também temos a nossa própria responsabilidade de responder à desinformação e estamos a utilizar as redes sociais para combater mitos que podem ser prejudiciais para a saúde das pessoas.

Por último, queremos aumentar a produção de vacinas e medicamentos na Costa do Marfim para que, na próxima crise, possamos produzir as nossas próprias vacinas e medicamentos, em vez de esperar por doações.